Dedicado ao Diogo e ao futuro
As crianças, hoje em dia, não param de nos surpreender (a nós adultos). Por vezes são capazes de nos arrancar as emoções mais inesperadas que podem transformar um momento de dor num momento inesquecível.Foi o que me aconteceu ontem: estava eu e o meu filho Diogo, que tem dois anos e três meses, a passar uma tarde amena de Sábado a brincar num jardim, quando aconteceu um momento que eu ainda não consigo definir, pois, numa brincadeira mal calculada, magoei-o.
Ele começou a chorar e eu, ao aperceber-me da minha incúria, tive um sentimento de culpa que transformou completamente a minha expressão facial e deixou-me num estado de aflição muito visível. Ele, ao aperceber-se do meu estado, parou de chorar e disse-me: - Já passou papá! Não me contive..., vieram-me as lágrimas aos olhos. E, de repente, era eu quem chorava e ele a consolar-me como se, de súbito, se invertessem os papéis: ele a representar o papel de pai e de protector, e eu a representar o papel da criança acidentada. Que demonstração de personalidade ele me deu!!!...
Estou certo que para ele a dor continuava, mas ficou mais preocupado com a minha do que com a dele. Felizmente a sequela da brincadeira foi apenas uns arranhões para ele, mas para mim foram duas grandes lições: a primeira foi a de passar a ser mais cauteloso nas brincadeiras com ele; a segunda foi bem mais profunda, pois ele ensinou-me a reagir numa situação difícil.
Actualmente, vejo crianças a fazerem coisas incríveis, ouço-as a falarem coisas admiráveis e penso que esta geração que estamos agora a criar tem uma palavra muito importante a dizer no futuro. Estou convencido que se afirmarão em áreas bem mais importantes que a "grande área" (apesar do meu orgulho na nossa selecção) que são uma das muitas áreas do conhecimento.
Aposto que nesta geração de crianças teremos pessoas mais íntegras, políticos mais competentes, empresários com mais ética nos negócios e de sucesso mundial, escritores, cientistas... Eu ainda devo pertençer à chamada "geração rasca", mas é esta geração rasca que vai criar um futuro melhor para este nosso país.
Dedicada ao Diogo
Pedra Filosofal (Link)
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
In Movimento Perpétuo, 1956
António Gedeão
3 Comments:
At 00:30, Macro said…
Admirável esta história. Assim como admirável foi a forma como a narraste, com simplicidade mas com "alma".
Ao ler este post não pude deixar de pensar numa outra história, referente a outro continente, e em circunstâncias muito problemáticas...
Timor lutava ainda para se tornar independente, e para isso muito do seu povo - humilde na maior parte - teve de evadir-se para as montanhas...
Mas ao mesmo tempo q fugiam eram perseguidos quer pelas forças opressoras do então regime do ditador Suarto da Indonésia (onde Timor-leste estava anexada como mais uma província dessa potência regional e maior potentando muçulmano do mundo) e também pelas forças do sr. Guterres - então chefe das milícias pró-integracionistas/indonésias que chacinanavam tudo quanto oferecesse a mínima resistência.. Acho que esse tal Guterres foi julgado e está preso...Se não estiver deveria estar.
Bom, mas nessas evasões para as montanhas a fim de pouparem milhares e milhares de vidas, por entre esses trajectos sinuosos próprios das montanhas e caminhando pela noite escura, há uma criança de 2/3 anos que caí num enorme buraco e bate com a cabeça numa pedra...
Certamente que ela se aleijou, e muito, mas a preocupação dela foi dominar imediatamente a sua dôr a fim de não fazer barulho e, assim, dar pistas aos assassinos que corriam na sua peugada.
Essa imagem foi filmada por um repórter que acompanhou esse exôdo e correu mundo... Não sei se te lembras dela por volta de 2000...
Ano de fronteira que sinalizou a passagem ao III milénio... Eis o que me fez lembrar a história do Diogo - ao resistir à dor - com a desta menina que estoicamente dominou a sua intensa dôr - e fugia dos assassinos e pertence a um povo que só a muito custo se tornou independente: Timor-Leste...
Um grande abraço ao Diogo e outro para esta menina que há-de estar viva algures em Timor... Só não se sabe se estará bem...
Um abraço
RPM
At 11:38, Mixikó said…
Posso usar as tuas palavras rpm?
Admirável a forma como está escrita...com "alma"...
Primeiro: o Diogo está lindo na foto
Segundo: é mesmo impressionante, como eles nos dão grandes lições…
Lembro-me de uma vez, a minha irmã mais velha ser chamada ao colégio, porque o filho mais novo tinha sido arranhado na cara, dizia a Directora do Colégio, para ela n se assustar…bem, quando eu vi a cara do meu sobrinho…desfiz-me em lágrimas…estava disforme…
lembro-me de quando ele viu o meu olhar, me disse que não lhe doía…e eu fiquei pior ainda…ele a tentar consolar-me…lembro-me de perguntar à minha irmã como ela conseguia ficar assim? Sem se descontrolar, sem chorar de raiva?
Ao que ela me respondeu que era preciso…tinha de ser o porto de abrigo dele naquele momento e chorar, só ia complicar mais o estado dele…lembro-me que na altura pensei que n seria capaz de me controlar se visse assim o meu filho…mas, hoje vejo que sim… por eles, somos autênticas fortalezas …
O meu filho, tmb já teve essas demonstrações de papeis invertidos…vejo-me com o seu bracinho à volta do meu pescoço, a consolar-me: "não foi nada mamã, Não me doeu” e pronto para outra…e eu, ali a sentir-me tão pequenina diante daquele gesto…
A sua história Vitor, lembra-me tmb, uma cena a que assisti agora nas férias, num Bar, às 02 da manhã…História essa que contarei um dia destes no meu Blog…
Cenário: Bar cheio de gente…um casal a cair de podre com uma menina ao lado a chorar…vejo-me a tentar consolar a menina…
Porque choras?
Quero a mamã…
olha n chores, faz-me um desenho..tens sono não é?
Fiquei sem reacção…como era possível?
E ela,olhou para mim...eu devo ter feito uma cara, que me disse: - já não tenho sono, vou-te fazer um desenho…
E lá me ía contando histórias, já bem disposta (mais do que eu, mediante aquele cenário), quando me diz: tenho uma irmã, vou fazer-te a cara dela.
Ai é? Quantos anos tem a tua mana? Tem 6…
e onde está agora?
Em casa.
Com quem?
Sozinha…o quê????
Sozinha em casa, com 6 anos?
Fiquei transtornada, ao que ela me diz: - mas olha,ela não tem medo, sabes e não está sozinha…está com o nosso pit bull…
O quê??????Bem, fico por aqui…
Parabéns pela beleza do post...
At 17:12, conchita said…
Fiquei sem palavras...
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